A motricidade humana pode ser designada de psicomotricidade, uma vez que implica a tomada de consciência, uma vontade motivacional e um sistema de representações (Fonseca, 2005).
O movimento psicomotor compreende a integração e a relação inteligível de dados internos e externos, acedendo à elaboração, planificação, regulação, controlo e execução do movimento (Fonseca, 1984).
A Associação Portuguesa de Psicomotricidade (s/d) define a psicomotricidade como “o campo transdisciplinar que estuda e investiga as influências recíprocas e sistémicas entre o psiquismo e a motricidade”, baseando-se numa visão holística do indivíduo integra as funções cognitivas, socioeconómicas, simbólicas, psicolinguísticas e motoras a fim de promover a capacidade de ser e agir num contexto psicossocial.
Através de efeitos da actividade psíquica auto-controlada, a psicomotricidade procura impor a sua organização psíquica e intencionalidade ao mundo exterior, modificando-o e transformando-o de acordo com as suas necessidades (Jeannerod, 2002, cit. por Fonseca, 2005). A função práxica exprime a capacidade de programar o movimento como produto de vários processos internos de elaboração (Fonseca, 1992 cit. por Fonseca, 2005).
Para Wallon (s/d, cit. por Fonseca, 2005) não é possível dissociar a acção do pensamento, sendo que a evolução do desenvolvimento da acção, simbolização e representação dá lugar à linguagem. É através do movimento, que a criança constrói a base da sua relação com as primeiras formas de linguagem e acede ao simbolismo, que implica uma conotação social e permite à criança criar relações sociais (Fonseca, 1976 cit. por Fonseca, 2005).
O movimento permite a construção de um sistema de esquemas de assimilação e organiza o real, a partir de estruturas espácio-temporais e causais (Fonseca, 1976 cit. por Fonseca, 2005). Ao estabelecerem relações com o mundo exterior, as percepções e o movimento elaboram a função simbólica que gera a linguagem, o que origina a representação e o pensamento (Fonseca, 1976).
A génese da psicomotricidade é caracterizada pelo desaparecimento sucessivo das sincinésias, com o enriquecimento da coordenação da motricidade, um aumento progressivo da rapidez de execução e uma maior precisão da aquisição simbólica, o que facilita toda a dimensão da comunicação e de existência individual e social (Ajuriaguerra & Stambak, 1955, cit. por Fonseca, 2005).
Barros, Pereira e Goes (2008 cit. por Fonseca, 2005) referem que as crianças em idade escolar manifestam o desenvolvimento da velocidade de movimento e da coordenação motora, com o aumento da coordenação óculo-manual; o desenvolvimento das competências cognitivas gerais, com o domínio progressivo das operações mentais, uma maior compreensão das relações de causa-efeito, evoluções do pensamento lógico e do raciocínio em termos de representações abstractas de objectos e acontecimentos; o desenvolvimento da memória, da atenção e da capacidade de processamento da informação, maior planeamento do comportamento, com a organização do conhecimento e dos processos cognitivos para estabelecer planos e monitorizar as suas acções.
FACTORES PSICOMOTORES
Luria (s/d, cit. por Fonseca, 1992) divide o cérebro em três unidades funcionais básicas, em que a 1ª unidade tem como funções a regulação tónica e ajustamento postural, os estados mentais e o estado de alerta, onde se inclui a tonicidade e equilibração; a 2ª unidade faz a recepção, análise e armazenamento tanto da informação proprioceptiva, através da noção do corpo, como da informação exteroceptiva, através da estruturação espácio-temporal, onde se inserem os factores da lateralização, da noção do corpo e da estruturação espácio-temporal; e a 3ª unidade tem a função de regulação e verificação da actividade, envolvendo a organização da actividade práxica consciente, nomeadamente a praxia global e a praxia fina (Fonseca, 1992).
Em seguida, serão desenvolvidos os factores da estruturação espácio-temporal, da praxia global e da praxia fina.
O factor da Estruturação espácio-temporal realiza a integração cortical dos dados espaciais, referenciados pelo sistema visual, e dos dados temporais, associados ao sistema auditivo (Fonseca, 1992).
Esta emerge da motricidade, da relação com os objectos localizados no espaço e da posição relativa que ocupa o corpo, podendo-se distinguir a estruturação espacial (resultante da noção de espaço adquirida pela construção de conceitos espaciais) e a estruturação temporal (ligada à estruturação rítmica, possibilitando a localização e sequencialização de acontecimentos no tempo) (Fonseca, 1992).
Tanto a estruturação espacial como a estruturação temporal constituem fundamentos psicomotores para a aprendizagem, fornecendo bases para o pensamento relacional, a capacidade de organização e ordenação, de processamento simultâneo e sequencialização da informação, a capacidade de representação e estruturação espácio-temporal, as competências de quantificação e categorização, a capacidade de retenção e (re)visualização, com a rechamada do passado, a integração do presente e a antecipação do futuro (Fonseca, 1992).
A Praxia global envolve a organização da actividade consciente e a sua programação, regulação e verificação, tendo como objectivo não só a realização mas também a automatização dos movimentos globais complexos (Fonseca, 1992).
A organização práxica envolve uma planificação interiorizada, a programação, a análise dos efeitos e a auto-regulação, resultando da recepção e interpretação das informações sensoriais, táctilo-quinestésicas, vestibulares e visuais (Fonseca, 1992).
A criança com dispraxia exterioriza uma disfunção psicomotora, podendo manifestar dismetrias, distonias, disquinésias, dissincronias ou perda de melodia cinética (Fonseca, 1992).
A Praxia fina compreende a micromotricidade e a perícia manual, sendo o factor mais hierarquizado. Engloba a coordenação dos movimentos oculares durante a fixação da atenção e a manipulação de objectos, bem como as funções de programação, regulação e verificação das actividades de preensão e manipulação (Fonseca, 1992). Esta evidencia a capacidade construtiva manual e a dextralidade bimanual, requerendo a conjugação dos programas de acção, a atenção voluntária, a capacidade de pré-programação e de reprogramação dos movimentos (Fonseca, 1992).
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